20324226_jpg-r_640_600-b_1_D6D6D6-f_jpg-q_x-xxyxxAo contrário do que muitos pensam, o meio acadêmico não é exatamente um mar de rosas, habitado por indivíduos mentalmente iluminados que unem para pensar e refletir sobre os problemas do mundo. Como qualquer outro ambiente profissional é permeado por constantes duelos de vaidades e sujeitos mais preocupados em inchar seus próprios egos do que em acrescentar algo à comunidade científica ou a sociedade como um todo. É exatamente sobre este terreno pantanoso que são os bastidores da comunidade acadêmica que Nota de Rodapé, comédia israelense dirigida por Joseph Cedar, irá tratar.

A trama é centrada em Eliezer (Shlomo Bar-Aba) e Uriel Shkolnik (Lior Ashkenazi), pai e filho respectivamente, ambos estudiosos do Talmude, mas que ocupam posições distintas no universo acadêmico. Eliezer é praticamente um pária, nunca teve muito reconhecimento por sua extensa pesquisa e se ressente do meio, que critica por produzir estudos cada vez mais superficiais. Seu maior feito é ter sido citado em uma nota de rodapé no livro de um importante pesquisador do Talmude. Seu filho, por outro lado, é uma estrela em ascensão, autor de diversos livros, alvo de elogios e bajulação de outros pesquisadores e colecionando vários prêmios e honrarias ao longo de sua trajetória. A disputa entre os dois se acirra quando Eliezer recebe por engano um importante prêmio, reacendendo velhas mágoas e discordâncias.

O filme apresenta algumas opções estilísticas bastante interessantes, como a montagem que reproduz a passagem de slides em um velho retroprojetor ou a música que parece sempre adicionar um certo sarcasmo às cenas. Os enquadramentos ajudam a demonstrar e contrapor o status dos dois personagens como vemos na cena da festa no início do filme. Eliezer é enquadrado no centro, sozinho e enfezado, com um enorme espaço vazio ao seu redor, enquanto que tomada seguinte mostra Uriel enquadrado da mesma forma, mas com uma quantidade de pessoas ao seu redor que o parabenizam pela recente honraria e riem de todos os seus comentários espirituosos.

O design dos cenários também é bastante acertado, investido em ambientes escuros, apertados e coalhados de livros e papéis, refletindo a natureza estudiosa e isolada dos personagens. O destaque fica por conta de uma minúscula sala de reuniões usada por um comitê científico, que de tão pequena é impossível abrir a porta sem que todos se encolham em um canto da sala, produzindo momentos hilários em meio a uma acalorada discussão.

Em meio a tudo isso, vemos como discordâncias e rixas pessoais podem travar o desenvolvimento das carreiras, como fica claro no diálogo entre Uriel e o professor Grossman (Micah Lewensohn) que afirma que Eliezer jamais receberá qualquer prêmio, honraria ou reconhecimento enquanto ele viver. Nesse momento, Uriel questiona se isso não viria de um ressentimento por seu pai ter uma relação muito mais próxima com um importante professor que os dois tiveram e a reação exaltada de Grossman deixa claro que seu repúdio a Eliezer tem sim algo de pessoal.

A obra ganha pontos ao nunca tornar a disputa entre os dois como algo maniqueísta, apontando vilões ou mocinhos. Os dois personagens são tratados como indivíduos complexos, com virtudes e vícios, boas e más atitudes cujo principal problema parece ser mesmo o ego e a vaidade que lhes dá (e também aos outros personagens) esse ímpeto de constantemente desvalorizar um ao outro e tentar valorizar mais seu próprio trabalho de pesquisa. Assim, a obra inteligentemente deixa a cargo do público a reflexão e o julgamento pelas atitudes dos personagens.

Nota de Rodapé é uma excelente comédia dramática que trata com ironia e sarcasmo essa verdadeira feira de vaidades que é o universo acadêmico, além de temas como lealdade, família e conflitos entre pais e filhos.

Nota: 9/10

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