L-Autre-Monde-Affiche-FranceA relação entre vida virtual e vida real é uma preocupação já é um elemento presente há um bom tempo no cinema de ficção (e também no documentário, na literatura e em outras mídias), bem como o isolamento e o processo de dessocialização decorrente de uma vida demasiadamente voltada para uma existência virtual. São exatamente estes temas que o filme belga O Outro Mundo (L’Altre Monde, no original) irá tratar.

A obra começa com os jovens namorados Gaspard (Grégoire Leprince-Ringuet) e Marion (Pauline Ettiene) encontram na praia um celular pertencente a Audrey (Louise Bourgoin) uma misteriosa jovem loira. Como algumas mensagens indicam um encontro entre ela e um homem misterioso chamado Dragon (Swann Arlaud), os dois decidem ir ao local do encontro para devolver o celular. Gaspard e Marion acabam encontrando a loira e seu amigo em meio a uma tentativa de suicídio e correm para salvar os dois, a loira sobrevive, o homem não. A partir deste momento, Gaspard começa a ficar obcecado em saber mais sobre a misteriosa loira e ao ver as mensagens de seu celular descobre que ela tinha conhecido Dragon através de um jogo on-line chamado Black Hole, assim, decide entrar no jogo para tentar encontrá-la.

O filme investe em uma montagem paralela que constantemente contrapõe ações do mundo real com o mundo virtual, como vemos no belo raccord que inicia o filme com Audrey e Dragon saltando de um prédio no jogo enquanto que Marion e Gaspard saltam dentro do mar no mundo real. É interessante como estética do jogo Black Hole (que funciona como um Second Life) investe em uma ambientação que lembra o noir, com ruas sombrias cheias de intensos contrastes entre claridade e escuridão e permeada por tipos de caráter duvidoso, constantemente em busca de sexo e violência. Por outro lado é curioso que depois do resgate, a personagem Marion é deixada de lado, já que foi a sua curiosidade inicial que levou ela e o namorado ao casal suicida, deixando o foco somente em Gaspard.

Conforme o jovem se aproxima de Audrey no videogame sem que ela saiba quem ele é de fato, entra em uma perigosa relação de autodestruição e isolamento alimentada pela atração e pelo fascínio que o jovem sente pela garota. A tensão vai se construindo gradativamente à medida que o jovem vai se aproximando dela, mesmo sabendo o quanto aquilo é perigoso e que certamente não irá acabar bem. Em determinado momento, Audrey o leva à Praia Negra, o purgatório do jogo onde vão os personagens mortos (e eles precisam “suicidar” seus avatares para chegarem lá), e o azul brilhoso das águas do local corresponde ao mesmo tom de azul da piscina da casa de Audrey, representando o desejo da personagem em encerrar sua vida também no mundo real.

É uma pena que, no terço final, a obra do diretor Gilles Marchand degringole para um tolo suspense de serial killer, deixando soltas as reflexões sobre virtualidade, depressão e suicídio construídas até então e substituindo tudo isso por uma trama que envolve um assassino psicopata (cujo prazer residia em encenar suicídios) bastante clichê.

Assim sendo, o que era um filme instigante e permeado por figuras complexas e atraentes se torna thriller bem básico com um desfecho apressado e desinteressante que desperdiça todos os conteúdos e subtextos trabalhados até então.

Nota: 5/10

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