Capitães da areiaPensar numa adaptação de um romance de Jorge Amado para o cinema significa pisar em terreno perigoso. O autor, altamente criticado por “enaltecer a pobreza e abusar da erotização” em seus livros, é quase sempre lembrado por suas personagens provocantes memoráveis como Tieta, Gabriela e Dona Flor, mas infelizmente não teve tanto reconhecimento pelo forte conteúdo político presente em suas obras.

“Capitães da Areia” chegou aos cinemas com a responsabilidade de manter viva a memória do autor no ano do seu centenário e reforçar a mensagem política presente nas entrelinhas do romance. Dirigido por Cecília Amado, neta do autor, a adaptação se passa na capital baiana dos anos 50, e mostra um grupo de garotos lutando para sobreviver nas ruas através de pequenos delitos.

O filme cumpre o objetivo de apresentar o grupo e suas particularidades, apesar da pouca profundidade em cada personagem individualmente. Isso ocorre porque no livro são dezenas de personagens e seria preciso muito mais do que um filme para abordar os conflitos de cada um deles ou situá-los naquele contexto.

O roteiro se concentra em alguns eventos pontuais do livro, mas a ausência de identificação com os personagens distancia um pouco o público daquelas aventuras. Até mesmo a relação intensa entre Pedro Bala e Dora não teve tanta força no filme. O mérito fica por conta do excelente trabalho de fotografia que valoriza a bela Salvador dos anos 50, além da trilha sonora inteiramente composta por Carlinhos Brown.

Não é por acaso que “Capitães de Areia” é um dos livros mais conhecidos de Jorge Amado. Nele, o autor claramente associa as aventuras de seus personagens a um tipo de crítica social. Na teoria, os capitães da areia eram apenas meninos que viviam pelas ruas de Salvador praticando furtos, na prática eles representam uma organização bem definida com suas regras e um sistema próprio.

Os integrantes do bando presam pelo companheirismo e solidariedade uns com os outros ao mesmo tempo em que representam o descaso da sociedade que os entregou ao “Deus dará” numa cidade repleta de desigualdade. O filme poderia ter dado mais destaque a esse ponto, mas não deixa de ser uma obra que respeita a memória do célebre escritor baiano.

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