11166031_detTodos sabemos que a música (assim como o cinema) é ao mesmo tempo uma arte e um negócio, uma indústria. Assim, não é difícil imaginar que muitas vezes o lado industrial pode tomar precedência do lado artístico e que muitas vezes artistas talentosos são deixados de lado por não serem vendáveis. Então, qual seria a sensação de saber que um nome incrivelmente promissor e bem avaliado pelos críticos foi relegado ao esquecimento? Pior, como reagiríamos ao saber que em virtude desse fracasso comercial e perda de oportunidades, perdemos um grande músico?

São algumas dessas perguntas que o filme Searching For Sugar Man, vencedor do Oscar 2013 como Melhor Documentário, tenta responder. A obra inicia com o depoimento de Stephen “Sugar Man” Segerman, dono de uma loja de discos na Cidade do Cabo, África do Sul. O comerciante conta que seu apelido veio da música homônima de autoria do músico norte-americano Rodriguez e que durante muito tempo procurou, sem sucesso, informações sobre o artista e tudo que descobrira foi que, após ser demitido por sua gravadora, ele teria se matado no palco, durante uma apresentação.

É a história da busca empreendida por Stephen e um amigo jornalista que diretor Malik Bendjelloul retrata aqui. O objetivo entender o que de fato aconteceu com Rodriguez, cujas letras e estilo folk remetem à Bob Dylan, e como ele se tornou incrivelmente conhecido na África do Sul, mas é solenemente desconhecido no resto do mundo, incluindo os Estados Unidos.

É interessantíssimo como o filme se vale de diferentes recursos para compor sua narrativa. Misturando o áudio de depoimentos com imagens de reconstituições encenadas, animações, imagens de arquivo e as músicas do próprio Rodriguez o filme tece uma narrativa investigativa emocionalmente envolvente que visa passar ao público algo mais do que apenas informações, mas também nos aproximar da experiência sensorial daqueles que conheceram o músico e sua obra.

Isso fica patente no momento em que seu antigo produtor narra o primeiro encontro com o músico e enquanto ele fala, o filme nos mostra uma reconstituição filmada em primeira pessoa das ruas de Detroit e do bar onde o músico tocava. O recurso nos eleva da condição de espectadores passivos para nos tornar cúmplices do sujeito entrevistado (e do próprio documentarista) e partilhar suas experiências.

Outro momento igualmente eficiente é quando Stephen retrata a importância das músicas de Rodriguez para os movimentos de contracultura da África do Sul no período do apartheid (regime de pesada segregação racial) e se tornaram hinos dos ativistas de oposição ao regime. A cena coloca imagens de protestos contra o apartheid e intercala o áudio dos depoimentos sobre o período com a música Establishment Blues de Rodriguez, dando claramente a noção de como a canção se relacionava com o período e o que ela significou para aquelas pessoas.

Há no filme algumas construções mais sutis, mas não menos importantes para entender a história do músico e da África do Sul. Ao mostrar que os discos de Rodriguez vendidos oficialmente no país tinham algumas faixas arranhadas com tesouras pelo departamento de censura para não serem reproduzidas, fica implícito a truculência e opressão de opinião do regime. Igualmente sutil e revelador é a cena em que o dono da gravadora de Rodriguez nos Estados Unidos é entrevistado e seu semblante aparentemente afável e solícito muda rapidamente para revolta e agressividade quando é perguntado se recebeu os royalties dos mais de 500 mil álbuns que o músico teria vendido na África do Sul. É claro, não é possível aferir a culpa do sujeito apenas por estes breves minutos, mas serve para revelar o predatismo do meio musical.

A narrativa flui quase que como um tradicional exemplar do gênero policial e funciona muito bem para nos envolver e nos instigar a saber mais sobre Rodriguez. Quando o filme vai chegando ao final e uma grande revelação ocorre, já estamos tão ligados à figura do músico que é impossível não exibir um largo sorriso. Assim, o filme serve para nos mostrar que um documentário vai muito além de ser uma mera colagem de arquivos e depoimentos, é preciso de uma boa montagem que dê uma cadência interessante ao discurso fílmico. O diretor poderia muito bem ter vomitado de vez todas as informações do caso, mas escolheu nos mergulhar no universo de sensações dos seus personagens e nos envolver nessa maravilhosa história de um ídolo esquecido ao invés de ser uma obra meramente informativa.

Seaching For Sugar Man é um brilhante e envolvente documentário que nos lembra a importância da música e o quanto elas podem transformar uma pessoa ou uma sociedade. Além disso, resgata uma pequena pérola até então desconhecida da música, sendo impossível não buscar a discografia de Rodriguez na internet após chegar em casa da sessão.

Nota 9/10

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