Todos sabemos que a música (assim como o cinema) é ao mesmo tempo uma arte e um negócio, uma indústria. Assim, não é difícil imaginar que muitas vezes o lado industrial pode tomar precedência do lado artístico e que muitas vezes artistas talentosos são deixados de lado por não serem vendáveis. Então, qual seria a sensação de saber que um nome incrivelmente promissor e bem avaliado pelos críticos foi relegado ao esquecimento? Pior, como reagiríamos ao saber que em virtude desse fracasso comercial e perda de oportunidades, perdemos um grande músico?
São algumas dessas perguntas que o filme Searching For Sugar Man, vencedor do Oscar 2013 como Melhor Documentário, tenta responder. A obra inicia com o depoimento de Stephen “Sugar Man” Segerman, dono de uma loja de discos na Cidade do Cabo, África do Sul. O comerciante conta que seu apelido veio da música homônima de autoria do músico norte-americano Rodriguez e que durante muito tempo procurou, sem sucesso, informações sobre o artista e tudo que descobrira foi que, após ser demitido por sua gravadora, ele teria se matado no palco, durante uma apresentação.
É a história da busca empreendida por Stephen e um amigo jornalista que diretor Malik Bendjelloul retrata aqui. O objetivo entender o que de fato aconteceu com Rodriguez, cujas letras e estilo folk remetem à Bob Dylan, e como ele se tornou incrivelmente conhecido na África do Sul, mas é solenemente desconhecido no resto do mundo, incluindo os Estados Unidos.
É interessantíssimo como o filme se vale de diferentes recursos para compor sua narrativa. Misturando o áudio de depoimentos com imagens de reconstituições encenadas, animações, imagens de arquivo e as músicas do próprio Rodriguez o filme tece uma narrativa investigativa emocionalmente envolvente que visa passar ao público algo mais do que apenas informações, mas também nos aproximar da experiência sensorial daqueles que conheceram o músico e sua obra.
Isso fica patente no momento em que seu antigo produtor narra o primeiro encontro com o músico e enquanto ele fala, o filme nos mostra uma reconstituição filmada em primeira pessoa das ruas de Detroit e do bar onde o músico tocava. O recurso nos eleva da condição de espectadores passivos para nos tornar cúmplices do sujeito entrevistado (e do próprio documentarista) e partilhar suas experiências.
Outro momento igualmente eficiente é quando Stephen retrata a importância das músicas de Rodriguez para os movimentos de contracultura da África do Sul no período do apartheid (regime de pesada segregação racial) e se tornaram hinos dos ativistas de oposição ao regime. A cena coloca imagens de protestos contra o apartheid e intercala o áudio dos depoimentos sobre o período com a música Establishment Blues de Rodriguez, dando claramente a noção de como a canção se relacionava com o período e o que ela significou para aquelas pessoas.
Há no filme algumas construções mais sutis, mas não menos importantes para entender a história do músico e da África do Sul. Ao mostrar que os discos de Rodriguez vendidos oficialmente no país tinham algumas faixas arranhadas com tesouras pelo departamento de censura para não serem reproduzidas, fica implícito a truculência e opressão de opinião do regime. Igualmente sutil e revelador é a cena em que o dono da gravadora de Rodriguez nos Estados Unidos é entrevistado e seu semblante aparentemente afável e solícito muda rapidamente para revolta e agressividade quando é perguntado se recebeu os royalties dos mais de 500 mil álbuns que o músico teria vendido na África do Sul. É claro, não é possível aferir a culpa do sujeito apenas por estes breves minutos, mas serve para revelar o predatismo do meio musical.
A narrativa flui quase que como um tradicional exemplar do gênero policial e funciona muito bem para nos envolver e nos instigar a saber mais sobre Rodriguez. Quando o filme vai chegando ao final e uma grande revelação ocorre, já estamos tão ligados à figura do músico que é impossível não exibir um largo sorriso. Assim, o filme serve para nos mostrar que um documentário vai muito além de ser uma mera colagem de arquivos e depoimentos, é preciso de uma boa montagem que dê uma cadência interessante ao discurso fílmico. O diretor poderia muito bem ter vomitado de vez todas as informações do caso, mas escolheu nos mergulhar no universo de sensações dos seus personagens e nos envolver nessa maravilhosa história de um ídolo esquecido ao invés de ser uma obra meramente informativa.
Seaching For Sugar Man é um brilhante e envolvente documentário que nos lembra a importância da música e o quanto elas podem transformar uma pessoa ou uma sociedade. Além disso, resgata uma pequena pérola até então desconhecida da música, sendo impossível não buscar a discografia de Rodriguez na internet após chegar em casa da sessão.
Nota 9/10
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Em 1970, o músico conhecido na época apenas como Rodriguez lançou seu primeiro LP, Cold fact. As músicas eram ótimas e suas letras eram inteligentes, mas o disco não fez sucesso nenhum nos Estados Unidos. Seu segundo álbum, Coming from reality, lançado em 1972, também foi ignorado pelo público americano. Em 1971, a gravadora A&M da África do Sul, que tinha os direitos do disco, lançou Cold fact na África do Sul. Lá, ele foi um sucesso estrondoso. Lotes inteiros dos discos encalhados nos Estados Unidos foram levados à África do Sul e esgotaram em semanas. Nenhum sul-africano sabia nada sobre Rodriguez, mas suas letras inspiraram jovens que viviam sob as opressivas regras do apartheid.