Eu relutei um pouco em escrever sobre esse tema, por questionar a sua relevância (e essa fui eu, pessoa que faz post dedicado ao bono doce de leite, falando em relevância), mas não dá, gente, não dá. Eu me vizualizo neste momento, dado o pesar da idade e das costas doloridas, mais ou menos como uma tia daquelas bem afáveis e protetoras, ansiando por lançar algumas palavras de conforto à «nova geração». Digo isso porque eu simplesmente não entendo que as pessoas tenham tanto ódio no coração ao falar dessas novas bandas adolescentes.

Como estamos na semana pós-VMB ficou ainda mais difícil deixar passar a oportunidade de me pronunciar. Para mim as coisas funcionam mais ou menos assim: concordo que as músicas são péssimas, e o talento questionável. Ok. Mas tudo parece fazer muito mais sentido quando incluo na reflexão algumas palavrinhas mágicas: cultura pop, indústria fonográfica e cultura de massa, dentre outras expressões que não nos são, de modo algum, estranhas.
Eu sempre fico com os dois pés atrás quando escuto discursos excessivamente autoritários acerca da cultura. Não sou nenhuma especialista no tema, mas penso que o que se deve discutir não é o conteúdo, e sim as formas de distribuição, e a igualdade de oportunidades para produzir manifestações artísticas. Claro que todos nós temos nossas opiniões. Tipo, eu odeio do fundo da minha alma coisas como Roupa Nova, Vander Lee e Jorge Vercilo, e já falei disso aqui. Mas é isso: não gostamos de certas coisas, e temos a linda prerrogativa democrática de nos pronunciarmos quanto a elas, mas o que eu não entendo, e o que me soa bastante totalitário, é isso de agir e de falar como se aqueles que produzem o que não gostamos não tivessem o direito de fazê-lo, e como se as pessoas que gostam não tivessem o direito de gostar.
 

Certa vez estive num debate que expressava muito bem esse meu ponto de vista do que uma discussão sobre cultura NÃO deve ser. A palestrante ironizava letras de pagodes e pregava a substituição por outros padrões culturais. Meu alerta de ‘perigo’ foi imediatamente acionado. Se há um debate realmente importante no âmbito da cultura e, por consequência, da música, esse debate é o da distribuição. É o debate que questiona a concentração dos meios de produção cultural, e não o que questiona a legitimidade dos, neste caso, gêneros musicais.

Então que me irrita bastante ver tanta gente alimentando o discurso da ‘juventude perdida’, do ‘as coisas não são mais tão boas quanto eram antes’. Primeiro que acho um argumento altamente falho e ilusório, porque não posso classificar com outro termo além de ilusão a ideia de que as coisas eram melhores no passado. As coisas estão em constante mudança, em processo de transformação, e cada época não é nem melhor nem pior do que a outra. Não podemos classificar os fenômenos sociais em melhores ou piores. Eles são próprios de cada contexto, e é assim que devemos analisá-los. Claro que não existe neutralidade diante das coisas, e naturalmente nos posicionamos em relação a elas, mas romantizar o passado em detrimento do presente é claramente um modo de pensar bastante infundado e simplista.
Esse discurso me soa um pouco hipócrita porque dá a entender que somos todos seres evoluídos e eruditos, não contaminados com a tal deterioração da geração atual. Olha, meus queridos, eu dancei exaustivamente «É o Tchan no Havaí», «É o Tchan na selva», «É o Tchan no Egito» E o «Arigatchan». Fui fã de Chiquititas e das Spice Girls, e – para não ficar apenas no âmbito da música – fui fã de ACM na infância. Hoje, de vez em quando, eu vejo o ‘Topa ou não topa’, programa do Roberto Justus no SBT, adoro novela e gosto de umas músicas meio bregas. Tipo, me sinto livre pra criticar à vontade o que eu não gosto, mas, quando faço isso, tenho em mente que, enquanto critico, não estou em casa ouvindo Chopin.
Daí que discordo muito de toda essa «síndrome da geração perdida». Concordei absolutamente com a Patrícia, do Te amo, porra, quando ela disse isso aqui no twitter: «adoro esses velhos dando piti no twitter por causa do restart. Daí você vai ver a idade, tem o quê, 30 anos? e curtia MENUDO». A galera trata as bandas ‘coloridas’ como algo de novo, mas novo não é. E a reação gerada por elas tampouco é nova. O que foi o metal farofa, minha gente? E porque tratá-las como algo novo se, na verdade, não passam de boy bands? e não estou insultando quando digo isso, estou apenas me pautando por uma classificação lógica, que se expressa pela seguinte equação:
Um empresário por trás de tudo + aparência importando mais do que a produção musical + exército de fãs se descabelando + modismo = boy band
Certo dia eu me deparei no orkut com a comunidade «Sinto pena da nova geração». A descrição inclui cooisas como: «Péssimos ídolos. Péssimas tendências. Consomem até enjoar, depois jogam fora. Fazem qualquer coisa pra aparecer na internet…» E eu penso comigo: «oi? perdi alguma coisa? Agora consumismo é fenômenos dos anos 2000?» E sobre a internet, façam-me o favor: cada geração com o seu brinquedinho. Tivesse a internet se popularizado antes, em outra geração, teríamos também a chance de assistir a fenômenos parecidos. Ou não? Há algum tipo de essência inerente ao que chamam de ‘novas gerações’ que fazem delas piores que as anteiores? Não, né?

Acho que se enxergamos problemas temos que pensar de onde eles vêm. Se achamos a música que se produz hoje de baixa qualidade temos que ir por partes. Primeiro, a questão não é «a música que se produz hoje» e sim «a música que está em ascensão hoje». Então, quem é o ‘inimigo’? São as pessoas que produzem algo de que não gostamos ou os que detêm o monopólio midiático, que ganham dinheiro com isso, que importam referências prontas e padronizadas, que nos enfiam enlatados guoela abaixo? Fico com a segunda opção.Se analisarmos qualquer banda destas vamos perceber o mesmo modo de funcionamento. Um dos aspectos que mais saltam aos olhos, pra mim, é a ausência de hits. Explico: o pop pode até não ser o gênero pelo qual eu morro de amores, mas eu acho que se é pra fazer pop, que faça direito. Que tenha hit grudento, que cante, dance e sapateie (tipo Madonna e MJ). E disso me surgiu o estranhamento: essas bandas estão aí fazendo tanto sucesso e eu não sei nenhum trechinho de música deles? porque, né, mesmo quando a gente não gosta de uma música, se ela é um hit daqueles bem feitos, vai acabar chegando até nós. Mas eu não conhecia nenhum trechinho de música do Restart ou do Cine. Nada. O que prova que é a aparência que está em primeiro lugar, e que a música está em segundo plano. Mas, enfim gente, são boy bands, são boy bands! Fenômenos perfeitamente compreensíveis de nossa época. Pra quê tanto ódio no coração com os meninos e meninas que gostam disso?

Se não gostamos destas características (música em segundo plano) o que devemos fazer, em minha opinião, é fortalecer a cultura alternativa – cujo papel é disputar espaço com a grande indústria – e não ficar distorcendo a realidade, achando que o problema está numa suposta ‘essência perdida’ da geração atual. As pessoas tem direito de gostar do que quiserem, e não são menos inteligentes ou legais ou gente boa se gostam de boy bands. E não cabe a ninguém ditar o que é legítimo, muito menos levantar barricadas contra os que pensam diferente. Cabe sim, a todo mundo, empreender esforços pra que exista possibilidade de escolha, para que exista diversidade, e para que todos possam produzir cultura, nas suas variadas formas.

Pra citar mais alguns exemplos, vi que Dinho Ouro Preto criticou os grupos de “happy rock” afirmando que “daqui a uns dois ou três anos, os integrantes do Restart vão olhar para suas fotos e sentir vergonha”. E ainda: “pelo que eu ouvi dessa geração colorida, eles fazem Fresno e NX Zero parecerem Dostoievski”. E aí eu pergunto: é, né? porque alguém que fez parte da geração do rock dos anos 80 não deve ter nadinha de que possa se envergonhar na vida, hein? Aham. Então, tá. E, olha, outro ponto interessante: quem é mesmo Dinho Ouro Preto? Ah, sim, aquele tio que resgatou sua banda nos anos 2000, que já teve música na trilha sonora de malhação, e que tem toda uma identificação com o público teen! Público-teen-de-malhação este que, oh, mas vejam só, é o mesmo público do restart, cine etc. Parece que há uma convergência aí, hein? E, sendo assim, as coisas não podem ser tão monolíticas e estáticas conforme os mais conservadores dizem ser.  
Um outro tweet interessante foi o do Jajá Cardoso, da Vivendo do Ócio. Ele disse «só lamento MTV. Um prêmio que quer ter algum valor não pode ser decidido por jovens que ainda não sabem nem quem são». E o Fábio Cascadura, que eu adoro, retwitou essa asneira (nada contra o rapaz; tudo contra o argumento). Trata-se de mais uma falácia. Detesto essa coisa do «não saber quem se é». É um argumento bem vazio e pobrinho e que gera uma série de perguntas: o que é saber quem se é? é interessante para todas as pessoas saber quem se é? podemos supor, então, que quem usa esse argumento sabe perfeitamente quem é? e qual é mesmo a relevância dessa pergunta?
Enfim, pessoas. Escrevi demais.

Então vou encerrar o post assim mesmo, com uma conclusão bem meia boca. Mentira, é porque tá tarde e eu estou com sono. Escrevi sobre isso não pra querer me meter a crítica musical, ou por achar ‘o problema das bandas coloridas’ uma importante reflexão a ser feita no século XXI, mas porque sempre fico receosa quando escuto certos discursos que me parecem autoritários ou moralizantes. E também porque sou uma pessoa muito a favor da paz e do amor (cof cof) e muito contra as altas doses de ódio no coração.
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