No último Cinefuturo, cuja cobertura você conferiu aqui no Cine Mosaico, muito se discutiu sobre a relação entre cinema e política. E uma das discussões mais interessantes foi aquela que se deu sobre a maneira como o cinema costuma retratar as periferias. O Cinefuturo já acabou, mas, ainda assim, vale a pena lembrar alguns pontos dessa discussão.


A pesquisadora Ivana Bentes, da UFRJ, foi responsável por trazer à tona, durante o evento, uma série de polêmicas a respeito disso. Ela, que tomou como base o  manifesto «A Estética da Fome», de Glauber Rocha, para cunhar o conceito de «Cosmética da Fome», vem se dedicando ao estudo de questões éticas no campo da produção audiovisual.

A representação da periferia pelo cinema não é tema novo no Brasil. Mas adquiriu destaque na década de 1990 e, mais ainda, depois de Cidade de Deus. Ao longo dos tempos, vimos abordagens de diversos tipos. Desde aquelas que adotam uma romantização extrema até outras que optam por uma demonização extrema do que é pobre e marginal. 

Nesse sentido, vale lembrar algumas das produções mais emblemáticas:

Cidade de Deus (2002)


A crítica de Ivana ao filme de 2002 gerou muita polêmica, já que a pesquisadora classificou-o como um tipo de produção caracterizada pela espetacularização da violência, pela ausência de um discurso político explicativo da miséria e da violência (como acontecia nas produções dos anos 1960), e por forjar uma representação em que as favelas aparecem desconectadas do restante da cidade. Segundo ela, 

as cenas de violência são espetaculares e siderantes (…) violência gratuita, todos são encorajados a alimentar esse ciclo vicioso. A favela é mostrada de forma totalmente isolada do resto da cidade, como um território autônomo. Em momento algum se pode supor que o tráfico de drogas se sustenta e desenvolve (arma, dinheiro, proteção policial) porque tem uma base fora da favela. Esse fora não existe no filme. 


Por falar nisso, na semana passada, um site americano elegeu uma das cenas de Cidade de Deus como a mais violenta do cinema, colocando-o à frente de produções como Laranja Mecânica e Cães de Aluguel.



A polêmica com 5x Favela começa pelo subtítulo. É que esse «agora por nós mesmos» remete ao filme de 1961, chamado simplesmente Cinco Vezes Favela. Para se diferenciar deste primeiro, realizado por cineastas de classe média, o 5x Favela de 2010 – dirigido e escrito por moradores de favelas do Rio de Janeiro – adotou o tal subtítulo. Mas, considerando que «5x Favela – Agora Por Nós Mesmos» foi produzido por Cacá Diegues e que os jovens cineastas receberam treinamento de figuras renomadas do cinema, torna-se possível questionar: «nós quem, cara pálida?» Para Ivana, a coisa seria mais honesta se no subtítulo pudéssemos ler «agora por eles mesmos».


Críticos indianos acusaram o diretor do filme, Danny Boyle, de romantizar a miséria do país, ao mostrar de forma estilizada as terríveis condições de vida dos moradores das favelas de Mumbai. Bentes viu no filme mais ou menos aquilo que, para usar um exemplo extra-cinematográfico, observou sobre o videoclipe de They Don’t Care About Us, de Michael Jackson – que veio ao Brasil para gravá-lo em 1998, usando como locações uma favela do Rio de Janeiro e o Pelourinho, em Salvador. Em ambas as situações, os «favelados» são figurantes num super-espetáculo visual, e a imagem da miséria é usada como um plus para este super-espetáculo.

Para mais leituras sobre o tema:

O Copyright da miséria e os discursos sobre a exclusão: http://migre.me/5rVNu
Sertões e favelas no cinema brasileiro: estética e cosmética da fome: http://migre.me/5rVPb


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