A Partida (Okuribito)Morte. Um assunto que a maior parte das pessoas prefere evitar e sequer pensam na possibilidade de encará-lo um dia. Mesmo com todas as alegorias relacionadas ao óbito e tantas discussões no âmbito científico e religioso, o tema ainda é cercado de mistério e inúmeros questionamentos. Então como falar abertamente do resultado desse fenômeno nos seres humanos e dos rituais que cercam esse doloroso momento sem cair num drama apelativo e sem conteúdo?

“A Partida”, produção japonesa dirigida por Yojiro Takita, é um belo exemplo de que é possível tratar desse tema complicado de uma forma sensível, poética e respeitosa. A história acompanha Daigo Kobayashi (Masahiro Motoki) um jovem que possui o desejo de se tornar violoncelista profissional. Daigo se esforça para realizar o sonho. Compra o próprio instrumento, fica endividado e enfim consegue um emprego numa orquestra. O que ele não esperava era que pouco tempo depois o grupo seria obrigado a se dissolver devido ao fracasso de público nas apresentações.

Ao lado de sua esposa Mika (Ryoko Yoshiyuki), Daigo retorna a sua cidade natal para tentar reconstruir a vida, já que a música não garantiria o seu sustento fora da orquestra. Visivelmente abatido, o rapaz vai atrás de um novo emprego até que se depara com uma oportunidade valiosa. Um trabalho que oferecia um bom salário, uma boa carga horária e que ficava próximo a sua casa. Parecia tudo perfeito exceto por um detalhe: Daigo não se deu conta que a sua função seria uma espécie de agente funerário. De início, o personagem oferece resistência, mas a necessidade o obriga a deixar os preconceitos de lado e aceitar a oferta.

A construção do personagem é o ponto que mais chama atenção no filme. Daigo é um jovem cheio de conflitos e precisa descobrir uma maneira de por pra fora toda a dor que acumulava no peito. As suas relações familiares desde a infância nunca foram bem resolvidas e isso refletiu na sua personalidade insegura que é mostrada ao longo do filme. Para completar, a função de Daigo como uma pessoa que “cuida dos mortos” não é bem vista pela população local, o que também acaba refletindo no seu relacionamento com Mika, que aparentemente tem vergonha do ofício do esposo.

O filme faz uma boa ligação entre as tramas paralelas utilizando uma narrativa simples com alguns flashbacks. Neles, o espectador consegue compreender um pouco da dor que o personagem carrega enquanto tem que cuidar de familiares dos outros, sendo que os seus não receberam nem metade daquele carinho e atenção. “A Partida” trata-se de uma obra dotada de uma sensibilidade ímpar. Um belo trabalho artístico que vale a pena ser visto não só pela direção, fotografia e trilha sonora (que são excelentes), como também pela mensagem do filme, que trata a morte de maneira natural e muito menos dolorosa do que seria uma abordagem ocidental para o mesmo tema.

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